24 julho 2008

Instintos

- Ele é um ególatra, um esnobe, individualista!
- Não estou aqui para discutir posturas de terceiros com você, quem somos nós pra julgar?
- Você não sabe o que diz, mas eu sei! Ele me traiu, eu não desisti dos nossos sonhos, ainda luto por aquela marca e ele... Ele deu as costas a tudo isso, quanto mais alimenta seus conhecimentos, estuda e a cada linha que lê de livros de grandes pensadores, um passo a menos de humildade... Um passo a menos de humanismo, é apenas um poço de sabedoria soberba.
- Chega disso! Eu não agüento mais!
(aos soluços pude ver a pobre garota cobrindo o rosto com as mãos, as lágrimas em seus dedos era o sufocar dos fatos).
Estava ela falando de Arte num tom hostil, eram clássicos infantis, grandes obras!
O que os tornam viajantes de estradas diferentes: No início eram apenas jovens e banalidades que ganham prioridades em determinados contextos de uma história de vida, no outro se tornam rivais dos pontos de vista e atitudes até então ordinárias. Tornam-se escravos de suas idéias e da força que o conflito delas pode gerar.

- Eu falava de um livro, da magia de um livro, apenas isso... Não queria causar uma discussão e tão pouco fazê-lo recordar de angústias passadas...
- Sinto angústia, de fato... Não posso negar todo o sofrimento que aquele...
(hesitou...).
Ela se adiantou, antes que ele voltasse a sua retórica ofensiva:
- Tudo bem, não falaremos de vocês dois, voltaremos ao tema inicial dessa conversa até então agradável.
- Mas isso tudo é culpa sua! Acaba com esse jeito cáustico e agressivo por causar sentimentos de fúria em mim, um homem com problemas de mais para certas imaturidades transpostas num diálogo cansativo e sem fundamento algum!
- Na infância eu li aquele livro, me sinto como o protagonista dele, acredito ainda, que estamos todos perdidos e buscamos onde nos encaixar, na individualidade de sermos formados por milhares de coisas, mas todas elas acopladas, num contexto onde o resultado é apenas um, um único ser de tudo aquilo e é tão difícil e complexo lidar com as diferenças.
- Me sinto perdido.
- Somos todos únicos, eu-você-ele: Talvez isso torne tão difícil julgar atitudes...
- Não retomemos essa discussão besta!
- Enfim... Era sobre o protagonista do livro infantil que eu queria dizer...
- Sobre a Arte presente desde a infância.
- Não, sobre a idéia de estar/sentir-se perdido, sendo individual apesar de viver em sociedade.
- Quem lhe apontou uma verdade há muito tempo exposta por tantos filósofos, psicólogos, pensadores, estudiosos ou até na análise simples de comportamentos, foi a obra infantil daquele autor?
- Não necessariamente... Mas talvez tenha sido o reflexo de percepções em mim contidas.

Ele parecia saber exatamente o efeito que suas perguntas causariam e já estavam causando, ela se via confusa até mesmo com suas respostas vagas...
Sua confusão começava na inversão de papéis: era posta à mesa suas perguntas, o encurralado nas dúvidas e respostas que exigiam mais prontidão e total atenção de quem está sendo questionado era o outro, era sempre o outro.
O conflito esticava-se até suas reflexões, que ele insistia em aguçar de forma sutil, mas que mesmo assim a abalava, sendo que ela não compreendia as razões desse efeito e o que lhe traria a proporcionar isso, voluntario ou involuntariamente ele provocou uma guerra no interior de uma alheia.
Ela sabia disso e havia uma revolta tão grande e um asco dessa conversa de início banal que agora se prolongava inúmeras vezes, de inúmeras formas em sua mente.
- Apresentando idéias e suas reflexões através da Arte de outrem?
- Não é bem assim...
(calou-se, sem convencer e sabendo disso).
- Qual a importância da Arte para sua vida?Ela ficou parada por um tempo, assimilando as informações, se já não estivesse confusa teria a resposta em prontidão, por que hesitava dessa vez?
Sempre deixou nítida sua essencialidade, mas dessa vez era diferente... Ela temeu e recebeu a pergunta como uma tempestade de incertezas que a dominavam provocando um estado de desconforto.
Tentando passar serenidade e convicção, respondeu, desta vez sem muita prontidão mas manifestando segurança e com a cabeça erguida:
- Ela é essencial, talvez viva por ela. Isso se não vivo nela, de fato.
Triunfante! Uma atriz, uma verdadeira atriz!
Um pouco decepcionado com sua persuasão, encerram a conversa da mesma maneira que a iniciaram.
Nela provocando um alivio, foi um exaustivo interrogatório do qual prosseguiu de forma estratégica e numa perfeita atuação!

Um comentário:

Juliana disse...

Talvez fique feliz em saber: fiz um blog e pensei em você ;)
Coloque láá: enigmas-da-vida.blogspot.com

beijo!