23 junho 2009

Cai

Eu caminhava cabisbaixo enquanto a garoa fina tornava meu dia ainda mais cinzento.
Encostei nas árvores do parque e andei descalço pela grama, não por falta de um sapato, pensava que sem ele eu poderia libertar minhas angústias, expelindo-as pelo os dedos, e recuperando da terra a energia vivaz que tanto precisava.
Andei o gramado todo, deitei na relva, fechei meus olhos e procurei a luz, não seria tolo de procura-la com os olhos cerrados se já não soubesse onde estavam: era dentro de mim que buscaria mais força, era algo lá dentro que tornaria minha vida reluzente outra vez.
Mas todo o meu tempo, só me fez perceber o quão perdido em minhas escuridões eu me encontrava, o quão insaciável a paz era em meu peito e atormentado, chorei, lágrimas comprimidas pelo tempo que me corroia na devastação de meus próprios almejos.
O tempo havia passado e eu perdendo a noção não só dele, como de espaço e de meus próprios sentimentos, já não sabia no que me transformei. O que estaria eu,fazendo largado aos insetos numa relva pública?
E do público fiz meu drama, minha vida que perdia uma razão ou a ganhava tarde demais.
Fui eu, um homem esquecido e fiz de mim um lúcido, intocável, fiz de minha fortuna uma sucessão de compras de segredos e silêncios, de mais fortuna e deixei minha eloqüência tomar jus a cada passo que eu dava.
Fiz da vida um marasmo, onde minhas únicas companheiras eram aquelas que dormiam comigo e ao amanhecer retiravam de meus bolsos sua merecida e suada recompensa, vivi sozinho, andei sozinho e na opção de assim ser, rasguei fotos, crucifiquei àqueles que acreditavam e me apoiavam, joguei pro alto minhas prioridades e só queria o sucesso, o conforto e o luxo, nada mais me importava... Nem os sonhos do passado, os amores que eu tive e a suposta nostalgia que viria.
Caí em Terra, despejado à relva percebia todos os anos que perdi corrompendo pessoas e de minha própria arapuca viro alvo nesse instante. De meus propósitos antigos viro escravo, viro servo de minhas nostalgias e subalterno da única coisa que não compunha o meu cenário por toda uma fase adulta: sentimentos.
Eu não tive uma vida, eu fui a ganância,ela como uma sede tomava todos os meus poros e fez de mim um criminoso, mais que isso, fez de mim um assassino de mim mesmo e quase aos cinqüenta, sem construir nada que não seja de concreto, sinto que perdi tempo demais, tempo que não volta e nem nunca será recuperado...
Saí da relva, calcei meus sapatos, tirei a gravata que já estava afrouxada e ao entrar em meu apartamento, abri bem a janela de minha sala de estar e senti pela última vez o vento bater em meu rosto.
Assumi a queda, pela primeira vez em tantos anos que não me via cair e cai, pela última vez, cai sentindo-me livre pela primeira vez em todos esses anos.