12 agosto 2009

Sonhos Concretizados

Comprei sapatos novos e fui ao encontro de meus amigos.

Havia comido ovos fritos pela manhã e sonhei com uma grande construção, onde meu falecido pai dizia-me que havia pouco tempo para a obra se concretizar e sermos felizes, ele sorria como nunca em vida o vi fazer, nem tanto brilho em seu olhar pude apreciar. Senti um certo medo e que as responsabilidades surgissem ainda mais. Perdi meu pai aos três anos e minha mãe aos 17, passei um ano de favor na casa da irmã de minha mãe, minha tia gostava muito de mim, mas seu segundo marido se incomodava bastante comigo, o que fez com que eu saísse de lá uma semana depois do aniversário que completei minha maioridade, fui obrigado a largar a faculdade que havia iniciado há alguns meses e trabalhava o dia inteiro pra pagar as contas do quarto/cozinha que passei a viver. Meus pais me deixaram uma casa boa, aluguei para um casal e filha e todo o dinheiro que ganhava com ela depositava numa poupança, tinha esperanças naquilo. O tempo foi passando e eu correndo atrás das oportunidades que não me apareciam, mas que eu tinha ilusão de encontrar, fiz amigos na metalúrgica que trabalhava e é com eles que saí, era meu aniversário de 19 anos.

Cheguei há um bar não muito longe da fábrica, onde costumávamos tomar café nos intervalos e dois deles já estavam me esperando, conversamos um pouco, eles me perguntaram da loja que eu trabalhava e eu contei que o salário era menor, mas eu ganhava uma boa comissão porque vendia bem e pelo menos iria poder retomar aos estudos porque me desgastava menos vendendo, meu terceiro amigo chegou, era o último que faltava e veio com um pacote na mão, eles haviam me comprado um livro, os três juntos e eu abri e eles entusiasmados falaram:

- A gente não entende muito de livro, se você não gostar e quiser trocar, você tem 7 dias, a gente comprou porque sabe que você gosta muito de ler!

Agradeci e depois daquela tarde de domingo agradável voltei pra casa intrigado com o livro na mão!

Era um livro de auto-ajuda, nunca havia lido um em toda a minha vida e sempre achei inútil ler sobre coisas que toda mundo já sabe e vivencia todos os dias! Que raios, que merda de livro, que vou fazer com ele?!

Aí me lembrei que poderia devolvê-lo em até 7 dias e joguei ele na poltrona da minha casa.

Acordei atrasado na segunda-feira e fui direto trabalhar e ouvi alguém dizer que domingo tinha um churrasco da turma da loja, passei a semana estudando depois do trabalho, iria prestar vestibular daqui alguns meses.

Domingo um colega da loja chegou na minha casa e disse que estava indo ao churrasco e que iria me levar com ele, não estava muito entusiasmado e pedi para ele esperar enquanto eu me arrumava, que eu queria uma carona até o shopping para trocar um livro, mas que não iria ao churrasco, o cara era chato e insistiu muito e eu fui com ele, deixei o livro no carro dele e pensei passar no shopping na volta.

Eu bebi algumas cervejas e esqueci do livro, acordei atrasado na segunda e fui correndo trabalhar, meu colega me entregou o livro dizendo que eu havia esquecido no carro dele e eu com raiva de não poder devolvê-lo acabei por demonstrar e meu colega disse:

- Calma cara, você já leu esse livro?

- Não e não tenho tempo para lê-lo ando estudando muito...

- Arruma um tempo, não é por um acaso que ele está com você ou você acha que é?

Fiquei o dia todo pensando nisso “não é por um acaso” e lembrei do sorriso e dos olhos de meu pai no sonho.

Cheguei em casa e não peguei em cadernos e apostilas, não iria estudar naquele dia, preparei um miojo e resolvi ler o tal livro que ganhei: “Sonhos concretizados”.

O primeiro capítulo chamava: Meu aniversário

- As vezes sonhamos com coisas que parecem não fazer muito sentido mas que nos causam uma insegurança e foi num dia como esse que resolvi comprar um par de sapatos novos...

Não podia estar lendo aquilo, fechei o livro e procurei me acalmar, lembrei de meu pai, dos meus sapatos novos, dos meus amigos no meu aniversário, do... “não é por um acaso”.

Deixei o livro lá jogado e continuei com minha rotina, ia do trabalho para a casa e estudava muito, dormia pouco, mas sabia que valia a pena...

Depois de algumas semanas resolvi lê-lo novamente e todas as coisas se encaixavam com os acontecimentos recentes de minha vida, e assim fui lendo um pouco (uma ou duas frases) há cada quinze dias, com medo, mas não parei. Entrei na faculdade, escolhi o mesmo curso que meu pai, fazia jornalismo, arrumei um estágio como fotógrafo e o autor do livro também, conheci uma garota maravilhosa e ela parecia tanto com a minha mãe, passamos a morar juntos, o autor do livro também foi morar com a namorada e eu passei a ser um fotografo muito consagrado e de muito prestígio, minha esposa estava grávida e tive de fazer uma viajem a África do Sul, deixei o livro na minha casa, bem guardado para que minha esposa não o visse, ela se assustaria e eu não teria como explicar tamanha coincidência em nossas vidas e após a temporada de seis meses, retornei, eu não ganhava muito dinheiro, mas fazia o que gostava, amava a vida que eu levava, cheguei a pensar que era o homem mais feliz do mundo, até que descobri que estava com uma doença muito grave, um vírus que devo ter adquirido na África e passei uma época muito difícil, minha esposa sempre me auxiliando e meu filho tinha apenas dois anos e meio quando meu corpo não agüentava mais e fiquei enfermo jogado numa cama.

Passava os dias com uma nostalgia gostosa e não conseguia ser triste mesmo adoecendo cada dia mais, eu amava tanto minha esposa e meu filho e vivi experiências maravilhosas em meu trabalho e nas viagens que ele me proporcionou, conheci pessoas incríveis e já tinha vivido como se fosse velho o suficiente e maduro para cair do pé.

Lembrei de meu pai e de como minha mãe o amou mesmo depois de morto e apesar do sofrimento que passou todos os 15 anos longe dele, nunca me contou muito sobre ele e mal sabia eu que estava tão perto de entende-lo, talvez tanto quanto ele mesmo.

Meu filho completou 3 anos na semana passada e eu terminei de ler o livro hoje de manhã, o livro foi escrito pelo assistente de meu pai na viagem que ele fez há África em 1977, esse homem virou um grande admirador de meu pai e escreveu a vida dele nesse livro, minha mãe nunca me contou e eu nunca saberei o por quê. O livro não era de auto-ajuda, era só um relato, em primeira pessoa da vida do meu pai vista pelos olhos de seu assistente, queria ter mais tempo para escrever, mas já não tenho muita força e meus dias estão contados. Espero que esse livro seja encontrado pelo meu filho e ela possa viver a vida de maneira linda e intensa, como vivemos, eu e papai, não poderei ver meu filho crescer, mas realizei todos os meus sonhos e fui muito feliz como espero que todos que leiam esse pequeno e humilde relato sejam e encontre suas histórias nos livros da vida.

05 agosto 2009

Uma produção tosca

Ninguém se importa se você dorme mal, se não vai bem de saúde ou se sua mente está em farrapos, ninguém se importa com seu dia ruim, com sua baixa qualidade de vida, com seus problemas e com sua felicidade, ninguém se importa se você pensa em se matar ou se arrumou um bom emprego, se chora com a luz apagada e abafando os soluços num travesseiro sem fronha.
Somos todos números dos quais o resto das pessoas não enxergam nenhum tipo de expectativa, de oportunidade e esperança.
Faz doze dias que não vejo o sol e há doze dias que não produzo uma sequer fagulha de alguma coisa e no meio de todo o meu ócio, consumindo minha própria compulsividade, recorro aos livros, discos, filmes, papéis e rebusco qualquer coisa, procuro ler, ouvir e ver atentamente, mas nada torna-se prazeroso e a comida tem um gosto insosso, como todas as obras que alguém custou a produzir como custaram a cozinhar e eu me faço de mal agredecido e reclamo de tudo como um velho, chato que já viveu demais e espera amargurado seu fim, nada trágico e clássico, nada comovente, é só uma regra da vida: morrer, assim... por ter vivido demais, por já ter dado o tempo de cumprir o que tinha como objetivo ou de se frustrar.
Chorei sem nem se quer saber quais eram meus motivos, bocejava de tanto tédio e fazia um drama numa incoerência, sem sentido algum.
Eu tinha o mundo nas mãos, mas não poderia alcançá-lo, tinha o que todos gostariam de ter: tempo.
Só que o tempo deixa a gente meio maluco, pensando demais e de pensar acaba se intristecendo e da tristeza faz seu dilema e se torna insociável, inadequado, intolerável até o dia que ninguém te convida para tomar um chá, para ir numa festa e sua namorada até esquece que você existe, de tão ausente que você se torna e ela não liga, não convida mais pra sair, não te namora mais e você chora porque sabe que falta algo e você também não sabe o que é de tanto tempo que não a vê!
E aí resolve relatar todas essas coisas enfames que não cabem no espaço com você, porque você o tornou pequeno demais e fica insuportável dividi-lo com quaisquer coisas que sejam...
Já estou pensando em vender esses móveis, a Televisão e alguns livros... Até a Cozinha tem muitas coisas, não preciso mais, essa louça toda suja vou jogar pela janela pra me poupar tempo e assim, posso arrumar uma desculpa para sair de casa: comprar louça nova ou comida congelada que já vem em embalagens descartáveis, mas ainda tenho de comprar talheres.
Não não, gosto de comprar louças! Poucas coisas tem me dado prazer como ouvir pratos sendo estraçalhados, vidros dos copos sendo moídos e pisoteados como um acidente...
É, vou comprar chicletes, quem sabe eu faça uma obra de arte com esses cacos e torne menos despresível o meu dia, uma produção tosca...