19 dezembro 2008

Alguns textos curtos

Lia alguns textos curtos, umas tiras de jornais e comecei a perceber o quão em vão eram as minhas delongas...
Todo esse tempo perdido de uma narração pobre e sem objetivos concretos e aparentes: Eu, um mero jovem de muita idade por razões da minha falta de maturidade e a pouca responsabilidade que preciso, já que sou sozinho e tudo é muito pequeno no universo de um homem só.
Repousei após ter lido muitas tirinhas, poemas e crônicas, vencido pelo cansaço e a frustração de nunca ter percebido o quanto algumas coisas podem ser transmitidas de forma mais claras e objetivas.
Acordei num sobressalto, como se ouvisse o zumbido de um pernilongo em meu ouvido nas noites quentes de um verão curto, porém incômodo e percebi que era inverno e não havia outro inseto ali, senão eu mesmo rebaixado a isso por meus métodos de julgamentos tão intransigentes.
Resolvi mudar, nem eu mesmo podia acreditar na vanguarda em tempos já tão remotos, mas era o que queria, era inovar, transformar, modificar! Ah! Como o som dessas palavras soa bem, quando há muito não se altera em nada...
Comecei pela minha cabeça: Dormia sempre com dois travesseiros, um mais alto e outra menos, no começo, tirei o mais fino e com o tempo troquei, dormia com a cabeça, quase rente ao colchão e assim, tinha a impressão de que as idéias estavam mais centradas e que poderia sonhar menos, não que eu fosse um homem que da utopia moldasse a minha vida, mas eu era egoísta e por mais duro que fosse pra reconhecer tive que me rebaixar ao nível do colchão, meu subalterno colchão, me dando conta que era tão semelhante aos outros quanto eu não imaginava ser.
Ao me acostumar com o travesseiro baixo, percebi o conforto que era a simplicidade, não perdi a sofisticação, dormia com lençóis de algodão que minha irmã trouxera da Europa como agrado ao seu único e solitário irmão, mas havia me sentido mais humano dormindo daquela forma.
Então... Mudei a risca do meu cabelo, do lado esquerdo para o direito, foram anos da minha vida, minha infância toda, a adolescência quando eu não tinha cabelo cumprido, a fase adulta e um pedaço da velhice, ainda pretendo viver muito e agora com o cabelo do outro lado!
Foi difícil para me acostumar, puxa como me sentia estranho e isso acabou gerando uma nova mudança:
Toda a manhã ia comprar três pães na padaria, um pedaço de manteiga e poucas fatias de queijo, com o meu cabelo repartido do outro lado, fiquei tão envergonhado de sair na rua que resolvi na primeira manhã do meu novo visual, não comprar nada e nem por os pés para fora da porta, a fome me foi batendo e achei torradas num pote de vidro e as comi com geléia de morango.
Sou apaixonado por geléia, sempre tenho, pelo menos uns três potes delas em casa, companheira do meu café das 5 que era minha última refeição antes de dormir, com os anos minha digestão ficou lenta e já não podia abusar.
Em cinco dias foram-se os potes de geléia de morango, o de uva e também o de framboesa, as torradas já haviam acabado há uns dois dias e o gosto da bolacha água e sal não era tão prazeroso, pronto! Mais um desafio: Botar meu nariz para fora de meu jardim seria o máximo!
Fiquei ensaiando no espelho alguns diálogos e explicações se por ventura alguém viesse a me perguntar sobre o novo visual, fiquei um pouco embaraçado, mesmo diante de um mero espelho de madeira de cerejeira que compunha o cenário tão antiquado de minha casa... Antiquado mas vivaz, não pense que fui radical ao ponto de trocar minha mobília, essa se pudesse, levava junto ao meu caixão, são anos de tradição familiar e o zelo que tinha com elas, era algo de temer até mesmo aos cupins que não ousavam nem se quer deslizar por ali.
Senti-me mais seguro e saí de casa às compras de mantimentos para saciar minha fome e a vontade de um pãozinho francês que há dias não sentia derreter em minha boca e enrolar o miolo como quem é criança e cava a terra para fazer um túnel!
Lembro-me com certa angústia de que ninguém, nem mesmo o padeiro que me via por todos os dias, há 10 anos, reparou no meu cabelo! Fiquei indignado com tamanho descaso das pessoas, com que era obrigado a conviver, nessa vizinhança de gente mal-amada e desolada de compaixão!
É... Perguntaram-me por que passei tantos dias sem aparecer e se eu estava bem, mas ainda não se deram conta de uma mudança tão brusca e notável.
Após quase dois meses de mudanças no meu dia-a-dia resolvi voltar a escrever, ah! Esqueci de comentar que também deixei de sair todos os dias pela manhã, agora comprava mais pães e comia pão amanhecido mesmo nos outros dois dias, isso me dava mais tempo livre e menos tempo com aquela gente insensível que não consegue nem ao menos olhar no meu rosto para perceber a risca do lado direito do meu cabelo.
Antes de escrever qualquer palavra, me dei conta de que meus óculos sempre estiveram em bom estado e impecável como se acabasse de buscar da ótica após uma apreensiva visita ao oftalmologista.
Coloquei meus óculos sobre a poltrona e fui até a geladeira beliscar a torta que aproveitei comprar no mercado, ao voltar sentei sobre ele, de forma quase que sem querer, mas como tudo é tão preciso e ordenado, não poderia senão, ser calculado aquele descaso e então, tinha agora a risca do cabelo para a direita, dois dias seguidos comendo pão amanhecido, a cabeça mais perto do colchão do que de comum e meus óculos meio tortos.
No começo os meus textos não faziam muito sentido, era difícil pra mim, escrever com tão pouco tudo que gostaria...
Com o tempo os meus textos já não faziam é sentido algum! Nem conseguia me localizar para entender o que eu mesmo queria dizer!
Como era complexo mudar, como foi árduo cada detalhe do meu novo dia-a-dia e ao perceber tudo isso em vão, levando as mãos aos olhos já curtidos de uma vida longa, chorei... Chorei como aos cinco anos as crianças choram para não sair do playground e fiquei ali... Desalmado num novo ritmo, preso aos novos costumes e ainda assim, com minhas delongas!
Percebia o tédio em minhas frases cumpridas e não conseguia consertá-las, percebia minhas mudanças sem ter forças para reajustá-las e assim vivi e assim estou vivendo, adaptado numa nova rotina e mais consciente de meus erros e temperamento, até liguei para minha irmã na semana que passou, propus que me fizesse uma visita e compraria torradas e geléia de figo que ela tanto gosta...