04 setembro 2008

Ele não fechou em sinal de protesto, talvez.

A pia gotejava, seguia uma seqüência, num intervalo preciso e uniforme, diferente de sua mente que jorrava milhares de pensamentos e idéias frustradas, difusas – confusas, pertinentes...
Deitado na cama com as mãos entrelaçadas sobre o ventre, num olhar fixo e perdido na mancha do teto.
O cansaço o fez dormir.
As gotas provocavam eco, eco esse refletido inconscientemente [irritantemente] em sua cabeça.
O quarto escuro por completo se a luz do banheiro não estivesse acesa, na porta semi-aberta.
Acordou debruçado sobre suas coisas jogadas no canto da cama, havia babado...
O rosto amassado e seu escarro refletido nas gotas incansáveis de uma pia que continha um bilhete, era um papel colorido, fluorescente, colado abaixo do espelho:
“Feche bem a torneira” - Foi o último bilhete deixado antes de partir.
Ela partiu em silêncio.
Seu único pedido era por ele negado, como sinônimo de todo seu orgulho e conflitos internos, buscando lógicas comportamentais, buscando razões, buscando o inverso de uma profunda solidão e desolamento, buscando... Buscando um sentido nisso tudo.
Um sentimento nessa ausência, a amabilidade do acaso. O desconforto de sua roupa o fez levantar, na pequena mesa com um rádio relógio indicando longas horas da madrugada, voltou a perceber o barulho da gota, desprezando a pia.
Voltou ao banheiro, olhou o bilhete com os olhos lacrimejando, como se visse o reflexo de toda sua atenção, todo o zelo que procurava ter... Era um pedaço ( o único) dela que ainda restava.
Levou as mãos até o rosto, deslizou pelos azulejos da parede e aos soluços chorou, encolhendo-se cada vez mais...
Afogando-se, enclausurando-se sobre o intervalo da pia e o vaso sanitário... Era ali sua prisão e sua sentença assinada num pedaço de papel brilhante!
Seus princípios haviam sido cruelmente chocados, não havia um “nós” não havia espaço pra mais ninguém e apenas todo o seu vazio preenchido de uma enorme mágoa e insensatez, cabia a ele sofrer...
Sofrer seus dias, despejando toda a inutilidade e precariedade no seu intervalo. Sua vida era o intervalo da pia e o vaso, seu tempo era um bilhete, suplicando de que as gotas cessem...


(26 de agosto de 2008)

5 comentários:

Anônimo disse...

tem q fechar a torneira das feridas! deixar cicatrizar e ver a pele de novo nova...

Vico disse...

Querida Lolo...
Dá pre ver quem tem potencial pra ser uma escritora famosa! Só falta uma coisa, básica: ser famosa. Não havia um “nós” foi a parte mais chocante pro meu coração... É claro que depois de dizer que a vida dele era o espaço entre o vazo e a pia.
Um comentário (sincero): Uuui, adoooro!

Anônimo disse...

Eu acho que ele não estava feliz.

Juliana disse...

"Agora o que me importa é uma bela briga, não precisa ser física, a verbal me satisfaz, preciso de palavrões, da intensidade e do ardor pelo que defenderei!"

Se eu ainda tivesse orkut, esse seria meu "quem sou eu".
Gosto mais quando você escreve por você. :)

Fábio Stankievicz disse...

Lolo!!!

Adorei... Muito mesmo... Não sei nem se eu estou um crítico literário a altura do seu conto... Muito bom mesmo... Tem talento Pop!

;D