17 julho 2014

Sorrir sem motivo aparente

Era tudo o oposto. Tinham idéias avessas e mil e um motivos para não se gostarem.
De alguma forma ela sabia algo que ele aparentemente não havia se dado conta, mas que era inevitável: Ele a desejava.
E saber disso, pra ela, era pura vaidade, talvez fetiche, aquela coisa “shakespeariana”.
Com o tempo ele se deu conta: conflitos internos... Aceitar de que ela lhe fazia bem era muito difícil, era pra além do desejo.
E a vaidade dela, deu espaço a outro sentimento
 “Você me faz sorrir sem motivo aparente...”
E os dias difíceis o fazia ter vontade de tê-la em seus braços
“Queria te dar um abraço bem apertado agora”
E é um exercício de aceitar as diferenças, de respeitar as pessoas e descobrir o que elas tem de melhor, independente do resto, de qualquer coisa.
Reinventaram os signos, mudaram a lógica dos astros para ficar tudo a favor deles. Deixaram pra fora os conflitos e os pontos divergentes e juntos dividiam conforto, alegria e companheirismo.
E um dia os desejos e a vontade de estar junto, o bem que faziam um para o outro e os sorrisos que arrancavam que se escancarava no semblante cansado e conflituoso das rotinas conturbadas e já não dava pra fingir e nem deixar de forma tímida.
Era visceral, era uma vontade louca e a carência virou desejo; a vaidade virou vontade; e o fetiche... Talvez ainda fetiche fosse.
A distância os impedia de fazer tudo que queriam, no momento que queriam, mas a imaginação nos leva para onde a gente quer e imaginar junto é tornar o [im]possível real.


06 julho 2014

Desfrutar de sua própria companhia

O homem caminhava pela rua com um chapéu, sobretudo bege, sapatos pretos, um guarda-chuva no antebraço. No bolso na altura do peito, do sobretudo, uma caneta com câmera. No bolso esquerdo estava uma câmera muito discreta, porém de uma qualidade inquestionável, um bloco de papel anexado a uma caneta. No bolso direito tinha um canivete e um smartphone muito sofisticado.
Uma criança cutuca sua mãe e observa:
                - Olha mãe, um detetive!
                - Não fale besteiras, vamos logo. Apressou-se a mãe, olhando desatenta para o homem.
                Ele era de fato um detetive e não se preocupava nem um pouco com seu estereótipo, dizia que esse era seu melhor disfarce, ninguém iria desconfiar de alguém que realmente parecia um detetive, ao menos que você fosse uma criança.
                Mas hoje ele não ia investigar nenhum caso, ele estava indo à casa de seu amado para lhe deixar uma carta:

“Caro Gabriel.
Desde que você partiu meus dias tem sido a rotina.
Sinto falta de compartilhar os sonhos que tivemos durante a noite, de seu bom humor pela manhã e como enchia essa casa de luz e alegria com sua cantoria; enquanto eu, no meu mau humor típico tentava perder mais alguns minutos na cama, ouvindo além da música, os barulhos das coisas de cozinha onde preparava nosso café da manhã.
A tarde era sempre um misto de saudade e de vontade de te ver e de noite sempre a incerteza dos meus horários por conta do trabalho.
Sinto saudade do sexo, tudo era sempre tão intenso e ao mesmo tempo voraz, o incansável desejo de um pelo outro nos mostrava que para além do amor, existia o que a minha profissão também me ensinou, que é o tão importante: tesão.
Ser detetive sempre me fez refletir muito sobre o comportamento das pessoas e ser muito atento e perceptivo. E não me perdôo ao pensar que não me atentei a todos os sinais que me destes, de que nosso relacionamento estava em crise. E agora eu sou só aquele homem ranzinza e sozinho que você conheceu na cafeteria.
Espero que esteja bem.
Com amor, ...”

                Colocou por debaixo da porta e saiu sem rumo, andando sempre reto.
Hoje ele não observava as pessoas e não se importava em ser observado. Hoje ele apenas observava a si mesmo, e se dava cada vez mais conta, de que não se conhecia.
 Desvendar fatos e o cotidiano das pessoas tornara-se uma brincadeira de tão simples. Mas ele não sabia quem elas eram: era só analisar as ações, cumprir seu trabalho e não pensar seus sentimentos, suas razões, o que passava por suas cabeças.
                E se viu numa contradição tão grande!
Era tão simples compreender o comportamento dos outros para enfim desvelar suas ações e triunfar em seu trabalho. E seu “eu” era a si tão estranho, complexo e imprevisível que suas ações só faziam sentido porque Gabriel tomou conta de tudo; da casa; do seu dia a dia e agora que ele se foi, já não sabia se [re]construir.
 Nesse dia o detetive andou, andou, andou... e refletiu tanto e de suas incertezas, dúvidas e medos e se deu conta que há muito tempo não sentia nem mesmo esses sentimentos.
E mesmo sem saber de muitas coisas, ficou decidido que sofreria sem culpa e auto piedade. Sentiria tudo que havia de sentir.
Porque sofrer é buscar para além das ações e do que é previsível das pessoas, sofrer o levou a um patamar elevado de sua relação consigo mesmo e estar sozinho não era necessariamente ser ranzinza, estar sozinho poderia se transformar em desfrutar de sua própria companhia.