23 abril 2011

[intro] Horas de Estrelas


Dizem por aí, que tudo tem seu tempo.
Quarta-feira (20/04/11) a noite, na biblioteca lemos trechos da “A Hora da Estrela” de Clarice.
Sexta (22/04/11) perguntaram-me sobre o fato de não escrever mais no meu blog.
Sábado, hoje (23/04/11) abro a pasta “Lolo Textos” e dentro dela tem a pasta “Blog” que dentro ainda possui uma pasta que recebe o nome de “Construções” e ao abri-la encontro contos sem término todos de 2009, um deles com o título de “Horas de Estrelas” e ao lê-lo novamente, refleti sobre o fato de escrever em primeira pessoa e ser uma mulher, o que é raro, não costumo escrever como mulher. E mais, pude encontrar nele muitas passagens que me lembrassem Gabriel García Marquez, lembrei-me ainda, que em 2009 li “Cem anos de solidão” e resolvi não alterar nada e publicar o conto em construção como foi feito até o dia 12/12/2009 e mergulhar nos detalhes dele que faz hoje muito mais sentido do que fariam quando escrito e perceber assim, que dentro de nossas evoluções interiores existem também, ciclos. E é desse ciclo de maturidade, experiência, sonhos e quem sabe a falta de tudo isso que percebo o reflexo de quem sou, mesmo quando ofuscada pelo [quem eram] os outros, os amigos, os amantes...
Ainda assim, existe a essência.



Horas de Estrelas

Na nostalgia do caos surgem perguntas ainda sem respostas e respostas para perguntas que já não me lembro quais eram. O tempo torna proporções irremediáveis e ele acaba nos controlando, nos domando como leões de circo. Domesticados por ironia, feras por na natureza. Sociedade nos molda da forma que torna-se convencional e estamos presos aos lugares de nossa história, à cultura que transpassa gerações e quando nos damos conta do que fizemos e do que ainda pretendemos fazer, temos um ápice de lucidez que nos leva a refletir sobre nossa insignificância e quão mesquinhos nossos valores tornam-se diante tantos outros fatores que moveram e ainda movem o Universo.
Lembrei de Dorival, um colega da escola, ele promovia piqueniques e em intervalos de comida e passeios no parque, trocávamos alguns diálogos boêmios que minha inocência não me fazia perceber isso e só hoje, rodeado dos maços de cigarro, das bebidas, livros empoeirados e uma bagagem de vida, percebo que Dorival era um malandro, com um sorriso cativante e uma alegria contagiante fazia as moças suspirarem e os homem gargalharem, as senhoras admirarem como bom rapaz e os pais acharem um exemplo para essa juventude que surgia.
Troquei afetos e centenas de cartas com Dorival, num tempo mais romântico e cheio de curiosidades nunca reveladas. Eu era moderna para nossa época, mas medrosa e cheia de complexos moralistas, que não passavam de besteiras e preocupação com pessoas alheias. Por razão dessas besteiras que não me mudei de uma vez pra casa de Dorival quando ele ficou bem empregado. Hoje não me arrependo, mas chorei por muitos anos de minha vida, a mágoa de decisões passadas.
Depois de Dorival, foi o Senhor Otávio que me encantou, era amigo de meus tios e sempre presente em confraternizações familiares, um homem casado de uma mulher que de fertilidade só conseguia lhe dar pés de goiaba num pomar apodrecido pelo tempo, pela umidade e pela falta de amor que havia numa casa imensa, herança dos falecidos pais da esposa. Otávio era um homem de boa índole, caráter indiscutível e que não saía muito, vivia a mercê dos caprichos de sua patroa e foi com ele que aprendi valores mais convencionais, ele parecia ter muito mais idade do que os anos que havia vivido, recebeu uma educação muito rígida e morreu um mês antes de seu aniversário de casamento, acidente, até hoje ninguém toca no assunto, mas dizem as más línguas que não era tão ajuizado quanto parecia e a criminalidade o levou para o túmulo.
Tornei-me amiga da viúva, Dona Catarina, moça distinta que lamentou toda a vida pelos filhos que não teve, chorou uma vez, confessando-me que casou a contra gosto com Seu Otávio e tinha certeza que ele era estéril, mas isso tiraria a honra de um homem e por isso ocultava seu ódio pelo esposo. Quis chorar junto com ela, ao pensar que amei Otávio e nunca ousei demonstrar meu sentimento mais puro e sincero por ele em respeito à Catarina.
Com isso tornei-me uma mulher "velha", que homem nenhum casaria por já estar desgastada e cheia de manias... Mas não me importei com os outros e com o que pensavam.
Vivi paixões, bebi e fumei em noites longas de verões, outono, inverno e na primavera dos licores de fruta e flores fiz meu companheiro na sesta.
Minha modernidade aguçava e aflorava conforme os anos passavam e menos me lembrava dos costumes antiquados da sociedade, fui dona da minha vida e escrevi textos e livros que os brasileiros horrorizados criticaram e cuspiram como a vergonha da literatura brasileira, a decadência de uma arte construída em palanques de madeira carunchada, de interesses econômicos sujos e eu levantei minha cabeça e segui em frente, não renunciei sequer uma palavra que escrevi, e faria tudo outra vez se me houvesse tempo, coisa que já não me resta mais.
Relatar uma vida em uma pequena folha de papel é tolice demais para uma senhorita idosa como eu.
Vivi guerras civis, um ditadura militar, três exílios, uma guerra mundial e diversas manifestações passivas ou não.
Não tive filhos e tão pouco netos para contar minhas histórias de avó e fiz dos meus dias tão agitados e incertos que nem seria uma boa mãe. Queria ser jovem e viver tudo outra vez, conhecer novas tecnologias, sonhar os sonhos dos jovens e sofrer mais uma vez, para carregar minhas insignificâncias cheias de erros e jogá-las num caixão com meus ossos.
A vida acaba como começa, os sonhos se realizam como foram concebidos, os dias tornam-se noites conforme o tempo nos impõem ... E se ele é nosso Domador de Leões, cabe a essa Leoa se despedir, de quem é que tenha restado para ouvi-la e para enterrá-la.
Morro bebendo e fumando, morro com meu organismo podre de vícios e saudoso de virtudes. Chorar não irei, já fiz demais por toda minha vida e agora cabe a mim a serenidade e um pouco de sensatez, que talvez não tenha dosado-a como realmente deveria ter feito.
Um adeus simples e vago...

12 de dezembro de 2009

6 comentários:

João disse...

Encontrar-se a si mesmo não é tarefa facil e muitos tem medo de realiza-la. É dificil saber quando somos realmente nós falando... e não a sociedade, nossa familia, nossos amigos ou nossas emoções momentaneas... e não estou falando de razão, razão foi só mais uma coisa inventada para nos manter nos trilhos.

Te admiro hoje ainda mais por ter a coragem de não seguir nenhum trilho e ir em busca de si mesma.

Façamos da felicidade não o nosso destino, mas o nosso caminho.

"Vida é o que acontece enquanto estamos ocupados fazendo planos"

John Lennon

Fico feliz por ti e espero que estejas feliz contigo também.

=)

João disse...

Não sei se era isso que eu queria expressar... enfim também estou a procura desse meu Eu...

LoLo Dantas disse...

Vá em frente, meu caro João...

Não brindamos a Felicidade a toa, não existem regras, para sobreviver/viver/ser feliz.

Existe quem somos e como nos conhecemos.

Fique bem.

Diego Moreira disse...

Olha só, eu ainda era vivo nessa época haushaushau

Passando pra alimentar o "el pibe d'oro".

Abraço e parabéns pelo conto.

LoLo Dantas disse...

huahuahauh você ainda é vivo, meu querido! ahuahauhauah

K. disse...

O ato de escrever é um eterno aprendizado, né Lolo ^^
O texto é excelente, é a vida dizendo pra você voltar a escrever hhauahuahau