18 dezembro 2011

Yin Yang

Era um dia de clima peculiar em dois pontos estratégicos. Na cidade que costumava chover, fazia muito sol e um calor insuportável como de costume no verão, esse mesmo clima se fez presente numa outra cidade, de um outro estado, dando espaço ao vento que nela é de costume. O ócio era constante, o tempo fazia com que os corpos parecessem cansados, as cores tediosas, os espaços corriqueiros, os mesmos problemas, as mesmas pessoas; a mesmice misturou com a saudade e o gosto amargo virou uma constante por todo o dia.
Nos detalhes, mesmo aos que não coincidem existia sincronia. Como a dança mesclado aos desastrosos momentos da dramaturgia.
Quando o sol se pôs por completo, o calor permaneceu, porém uma brisa se fez presente na cidade dos ventos; o céu escureceu e pareceu mais baixo, na chuvosa cidadezinha. E haviam duas pessoas, preenchendo o vazio da distância entre um lugar e o outro.
As mãos cobriam seu rosto, a posição era fetal, os soluços oscilavam sua frequência. No outro estado, passos sem pressa caminhavam pela calçada, na mão, um cigarro que ia da boca para fora dela como um compasso, seguindo uma sequência angustiante.
O peso das palavras invadia dois peitos, a angústia dilacerava os corpos; uma saudade embebida em felicidade e amor se transforma em partes menores de tormento, inquietude e sofrimento, resquícios inferiores aos sentimentos mais nobres, mas que pela primeira vez, causavam uma dor física traduzida em enfermidade.
Ela se levantou da posição fetal, tirou suas mãos pálidas de um rosto amarrotado e desajeitadamente sentada na cama, tentou se recompor. Na boêmia ele buscou companhia, cruzou as pernas, acenou ao garçom pedindo uma cerveja, sua mão camuflada sobre a blusa preta, tateava por mais um cigarro.
Passavam por eles os caminhos que percorreram ao longo de vidas tão distintas e a dúvida do momento em que puderam se cruzar, as incertezas permaneciam e ganhavam complexidade a cada novo pensamento, a cada nova lembrança esses dois seres percebiam que tornaram-se, com o tempo, movidos a uma única vontade.
A fumaça de um cigarro como névoa fazia os conflitos serem ilustrados em frente seus olhos grandes e inquietos de quem vêm ao mundo buscando o novo, de quem tem sede de conhecimento, como um alienígena que olha tudo pela primeira vez, mas sem a pretensão de um ser humano. Esses olhos de alienígena só não se fazem presentes numa única ocasião em todo o Universo, apesar de ao longo de seus trinta anos, ter conseguido teorizar diversas das coisas presentes e parecer certo da maioria delas, sua única certeza e domínio total de conhecimento é sobre essa complexa menina, mulher, amante; seus olhos quando pousam sobre ela transformam um olhar inquieto na paz, em sua plenitude.
E as lágrimas voltavam a percorrer um rosto frágil demonstrando assim suas inseguranças cotidianas de quem tem muitos anseios e as vezes se perde neles, de quem sempre buscou conhecer de tudo um pouco e se viu perdida por não saber em qual dos lados devia seguir, se bloqueou para muitas coisas como qualquer ser humano, que é errante. Mas que hoje, em especial nesse dia, sabe que seu maior erro, será permitir que sua única certeza percorra um caminho diferente do seu.
Nem todas as certezas teriam seu propósito, se dois corpos, como os deles dois, estiverem verdadeiramente distantes.
E essa distância necessária ou não só trás uma crescente de sentimentos que os remetem a estranha e intensa vontade de estarem sempre juntos, mesmo que suas cidades não permitam por completo, relevando o aspecto físico desses dois seres, toda essa história tem o objetivo de provar a eles mesmos que se amam e que não há fator no mundo que mude a ordem dessa última afirmação.
Nem mesmo suas idades, seus tempos, suas diferenças, suass distância, suas personalidades, nem mesmo os problemas e qualquer discussão que se faça presente em algum momento, só servirá para que essas duas almas reflitam sobre seus valores e percebam novamente o que já percebem todos os dias: que se amam.

11 julho 2011

Pielonefrite

Esse desabafo foi escrito no dia 10 de julho de 2011 – Domingo. No quarto 204 do Hospital Geral da Unimed. Ele não tem nenhuma finalidade literária, ele não é bonito, ele não é interessante, é um texto cru, seco e sem cores, como as vezes são os dias de nossa vida real.

Infecção Urinária – Pielonefrite:

A infecção dos rins. A principal via é a ascendente, quando bactérias da bexiga alcançam os ureteres e conseguem subir até os rins. Isto ocorre normalmente nas cistites não tratadas ou nos casos de colonização assintomática da bexiga por bactérias. Nem todas as pessoas relatam sintomas de cistite antes do surgimento da pielonefrite.

A pielonefrite é um caso potencialmente grave, já que estamos falando da infecção de um órgão vital. É um quadro que pode ter gravidade semelhante a uma pneumonia. Se não tratado a tempo e corretamente, pode levar a sepse e morte.

A sepse ou sepsis é uma síndrome que acomete os pacientes com infecções severas. É caracterizada por um estado de inflamação que ocorre em todo o organismo, secundária a invasão da corrente sanguínea por agentes infecciosos (geralmente bactérias).

Fonte: MD. Saúde - Blog Médico para Pacientes

Nesse conto não serei nenhum personagem, eu – lírico e/ou heterônimo.

Hoje é um dia triste em minha vida. Penso em tantas coisas que passei nesse hospital e que perdi por conta dele, penso em coisas que ainda perderei, penso em como minha saúde está diretamente vinculada às fases da minha vida, as mudanças delas, as transformações e como me faz sempre enxergar a vida por outro viés.

Esse post só tem finalidade de desabafo prosseguido de uma estranha vontade de marcar esse momento da minha vida, através do texto. Ele não segue uma cronologia, ele não segue nada, ele só é guiado pelo que penso e no momento em que penso, sinto e transformo isso em palavras que se agrupam e assim formam-se orações às vezes pouco compreendidas, não estou preocupada com a estética do texto e com nada dele, só me preocupa sua essência e meus motivos são meramente narcisistas e egoístas em relação ao seu fim.

Não tenho vontade de comer; de olhar o belo dia, que insiste entrar pela janela do meu quarto do hospital; nem de levantar. Hoje é um dia que gostaria de passar dormindo, para acabar o quanto antes.

Receberia alta hoje pela manhã, o médico esteve aqui e não gostou do resultado do hemograma (taxa muito alta de leucócitos). Meu braço dói onde a agulha que me ligava ao soro ficou desde quinta-feira (07/07) até hoje pela manhã um pouco depois do médico vir aqui. Minha anatomia não é muito colaboradora das agulhas, me picaram três vezes com agulhas de calibres 20/22 até que por fim, com quatro enfermeiras em minha volta, na quarta tentativa funcionou. Essa minha última experiência no hospital, não me foi muito agradável com as agulhas e com dor, a cólica Renal na quinta estava terrível, eu lacrimejava e não conseguia me mover, devido a febre de quase 39ºC meu corpo estava mais sensível (refiro a sensível em sensibilidade, as dores se tornam mais intensa, o frio era tamanho – tremor), o que fez com que uma veia furasse na tentativa de inserir um cateter.

As coisas não são como a gente quer, alguns diriam que são como "tem de ser", "o destino quis assim". Na realidade o ceticismo é algo que me acompanha, apesar de paradoxalmente me permitir pensar em inúmeras razões mais "espirituais".

A dimensão que o hospital ganhou em minha vida, é tão absurda, que tenho a impressão que se a vida parar de me trazer até ele, eu passarei a arranjar motivos só para circular por esses corredores, sentir esse cheiro, esse ar de limpeza, de reflexão, uma coexistência de luta e fraqueza. (Uma utopia, talvez insanidade de minha parte pensar dessa forma).

Esse hospital acompanha minha trajetória há anos, e não me lembro de não ter passado por ele nas fases mais marcantes da minha vida.

As pessoas quando me perguntam se eu me arrependi de algo que fiz, eu sempre digo a elas que nunca me arrependi de nada que fiz, que todas as escolhas que tomei tinham um porquê de serem tomadas e que com certeza me proporcionaram momentos muito felizes, afinal tive a opção de não escolhe-las e não o fiz.

Perguntam-me ainda, se eu pudesse escolher entre não ter tido aquele quadro de saúde delicada em 2009 que sucedeu numa depressão e ter levado uma "vida normal", não exito em dizer que não mudaria nada do que passei: nenhuma noite mal ou não dormida, nenhuma náusea ou crise de enxaqueca, vômitos intermináveis, dores abdominais por função dos vômitos, dor, sofrimento, tristeza, pânico, crises de choros incontroláveis, insegurança, medo, dúvida, desespero, frustração, raiva, ódio, compreensão, conformismo, cansaço...

Foram meses de muita fraqueza física, mas anexo a ela de muita luta! Uma única vez tive vontade de tentar suicídio, foi a pior crise sem dúvida e não lembro de ter tido nenhuma depois daquela. Creio ter chegado ao fim, ao limite do meu estado físico e mental de desespero e retomei ao caminho da lucidez, da paz, da imunidade e por fim saúde física e mental.

O tempo é o maior aliado dos arrependimentos e do rancor. Não que o tempo o cure, mas nos dá margem para que possamos com sensatez perceber de que de nada adianta.

É impossível não passar um filme rápido de toda essa minha história com esse hospital, toda vez que aqui entro, às vezes ainda, encontro vários rostos iguais, de enfermeiros que na época sabiam meu nome e acompanhavam meu quadro, por repetidas vezes eu ter estado aqui.

Nenhum lugar me conhece de forma tão visceral como esse. Nenhum lugar já me viu nos estados mais deploráveis. No ápice de minha enfermidade. É tamanha minha vontade de sair daqui, que mais uma vez o Hospital é um paradoxo em minha vida, um sentimento de amor e ódio. Amor porque já faz parte da minha vida de uma forma que não escolhi, mas faz e de ódio por todas as frustrações e diversos outros sentimentos que ele me causa.

23 abril 2011

[intro] Horas de Estrelas


Dizem por aí, que tudo tem seu tempo.
Quarta-feira (20/04/11) a noite, na biblioteca lemos trechos da “A Hora da Estrela” de Clarice.
Sexta (22/04/11) perguntaram-me sobre o fato de não escrever mais no meu blog.
Sábado, hoje (23/04/11) abro a pasta “Lolo Textos” e dentro dela tem a pasta “Blog” que dentro ainda possui uma pasta que recebe o nome de “Construções” e ao abri-la encontro contos sem término todos de 2009, um deles com o título de “Horas de Estrelas” e ao lê-lo novamente, refleti sobre o fato de escrever em primeira pessoa e ser uma mulher, o que é raro, não costumo escrever como mulher. E mais, pude encontrar nele muitas passagens que me lembrassem Gabriel García Marquez, lembrei-me ainda, que em 2009 li “Cem anos de solidão” e resolvi não alterar nada e publicar o conto em construção como foi feito até o dia 12/12/2009 e mergulhar nos detalhes dele que faz hoje muito mais sentido do que fariam quando escrito e perceber assim, que dentro de nossas evoluções interiores existem também, ciclos. E é desse ciclo de maturidade, experiência, sonhos e quem sabe a falta de tudo isso que percebo o reflexo de quem sou, mesmo quando ofuscada pelo [quem eram] os outros, os amigos, os amantes...
Ainda assim, existe a essência.



Horas de Estrelas

Na nostalgia do caos surgem perguntas ainda sem respostas e respostas para perguntas que já não me lembro quais eram. O tempo torna proporções irremediáveis e ele acaba nos controlando, nos domando como leões de circo. Domesticados por ironia, feras por na natureza. Sociedade nos molda da forma que torna-se convencional e estamos presos aos lugares de nossa história, à cultura que transpassa gerações e quando nos damos conta do que fizemos e do que ainda pretendemos fazer, temos um ápice de lucidez que nos leva a refletir sobre nossa insignificância e quão mesquinhos nossos valores tornam-se diante tantos outros fatores que moveram e ainda movem o Universo.
Lembrei de Dorival, um colega da escola, ele promovia piqueniques e em intervalos de comida e passeios no parque, trocávamos alguns diálogos boêmios que minha inocência não me fazia perceber isso e só hoje, rodeado dos maços de cigarro, das bebidas, livros empoeirados e uma bagagem de vida, percebo que Dorival era um malandro, com um sorriso cativante e uma alegria contagiante fazia as moças suspirarem e os homem gargalharem, as senhoras admirarem como bom rapaz e os pais acharem um exemplo para essa juventude que surgia.
Troquei afetos e centenas de cartas com Dorival, num tempo mais romântico e cheio de curiosidades nunca reveladas. Eu era moderna para nossa época, mas medrosa e cheia de complexos moralistas, que não passavam de besteiras e preocupação com pessoas alheias. Por razão dessas besteiras que não me mudei de uma vez pra casa de Dorival quando ele ficou bem empregado. Hoje não me arrependo, mas chorei por muitos anos de minha vida, a mágoa de decisões passadas.
Depois de Dorival, foi o Senhor Otávio que me encantou, era amigo de meus tios e sempre presente em confraternizações familiares, um homem casado de uma mulher que de fertilidade só conseguia lhe dar pés de goiaba num pomar apodrecido pelo tempo, pela umidade e pela falta de amor que havia numa casa imensa, herança dos falecidos pais da esposa. Otávio era um homem de boa índole, caráter indiscutível e que não saía muito, vivia a mercê dos caprichos de sua patroa e foi com ele que aprendi valores mais convencionais, ele parecia ter muito mais idade do que os anos que havia vivido, recebeu uma educação muito rígida e morreu um mês antes de seu aniversário de casamento, acidente, até hoje ninguém toca no assunto, mas dizem as más línguas que não era tão ajuizado quanto parecia e a criminalidade o levou para o túmulo.
Tornei-me amiga da viúva, Dona Catarina, moça distinta que lamentou toda a vida pelos filhos que não teve, chorou uma vez, confessando-me que casou a contra gosto com Seu Otávio e tinha certeza que ele era estéril, mas isso tiraria a honra de um homem e por isso ocultava seu ódio pelo esposo. Quis chorar junto com ela, ao pensar que amei Otávio e nunca ousei demonstrar meu sentimento mais puro e sincero por ele em respeito à Catarina.
Com isso tornei-me uma mulher "velha", que homem nenhum casaria por já estar desgastada e cheia de manias... Mas não me importei com os outros e com o que pensavam.
Vivi paixões, bebi e fumei em noites longas de verões, outono, inverno e na primavera dos licores de fruta e flores fiz meu companheiro na sesta.
Minha modernidade aguçava e aflorava conforme os anos passavam e menos me lembrava dos costumes antiquados da sociedade, fui dona da minha vida e escrevi textos e livros que os brasileiros horrorizados criticaram e cuspiram como a vergonha da literatura brasileira, a decadência de uma arte construída em palanques de madeira carunchada, de interesses econômicos sujos e eu levantei minha cabeça e segui em frente, não renunciei sequer uma palavra que escrevi, e faria tudo outra vez se me houvesse tempo, coisa que já não me resta mais.
Relatar uma vida em uma pequena folha de papel é tolice demais para uma senhorita idosa como eu.
Vivi guerras civis, um ditadura militar, três exílios, uma guerra mundial e diversas manifestações passivas ou não.
Não tive filhos e tão pouco netos para contar minhas histórias de avó e fiz dos meus dias tão agitados e incertos que nem seria uma boa mãe. Queria ser jovem e viver tudo outra vez, conhecer novas tecnologias, sonhar os sonhos dos jovens e sofrer mais uma vez, para carregar minhas insignificâncias cheias de erros e jogá-las num caixão com meus ossos.
A vida acaba como começa, os sonhos se realizam como foram concebidos, os dias tornam-se noites conforme o tempo nos impõem ... E se ele é nosso Domador de Leões, cabe a essa Leoa se despedir, de quem é que tenha restado para ouvi-la e para enterrá-la.
Morro bebendo e fumando, morro com meu organismo podre de vícios e saudoso de virtudes. Chorar não irei, já fiz demais por toda minha vida e agora cabe a mim a serenidade e um pouco de sensatez, que talvez não tenha dosado-a como realmente deveria ter feito.
Um adeus simples e vago...

12 de dezembro de 2009