Comprei sapatos novos e fui ao encontro de meus amigos.
Havia comido ovos fritos pela manhã e sonhei com uma grande construção, onde meu falecido pai dizia-me que havia pouco tempo para a obra se concretizar e sermos felizes, ele sorria como nunca em vida o vi fazer, nem tanto brilho em seu olhar pude apreciar. Senti um certo medo e que as responsabilidades surgissem ainda mais. Perdi meu pai aos três anos e minha mãe aos 17, passei um ano de favor na casa da irmã de minha mãe, minha tia gostava muito de mim, mas seu segundo marido se incomodava bastante comigo, o que fez com que eu saísse de lá uma semana depois do aniversário que completei minha maioridade, fui obrigado a largar a faculdade que havia iniciado há alguns meses e trabalhava o dia inteiro pra pagar as contas do quarto/cozinha que passei a viver. Meus pais me deixaram uma casa boa, aluguei para um casal e filha e todo o dinheiro que ganhava com ela depositava numa poupança, tinha esperanças naquilo. O tempo foi passando e eu correndo atrás das oportunidades que não me apareciam, mas que eu tinha ilusão de encontrar, fiz amigos na metalúrgica que trabalhava e é com eles que saí, era meu aniversário de 19 anos.
Cheguei há um bar não muito longe da fábrica, onde costumávamos tomar café nos intervalos e dois deles já estavam me esperando, conversamos um pouco, eles me perguntaram da loja que eu trabalhava e eu contei que o salário era menor, mas eu ganhava uma boa comissão porque vendia bem e pelo menos iria poder retomar aos estudos porque me desgastava menos vendendo, meu terceiro amigo chegou, era o último que faltava e veio com um pacote na mão, eles haviam me comprado um livro, os três juntos e eu abri e eles entusiasmados falaram:
- A gente não entende muito de livro, se você não gostar e quiser trocar, você tem 7 dias, a gente comprou porque sabe que você gosta muito de ler!
Agradeci e depois daquela tarde de domingo agradável voltei pra casa intrigado com o livro na mão!
Era um livro de auto-ajuda, nunca havia lido um em toda a minha vida e sempre achei inútil ler sobre coisas que toda mundo já sabe e vivencia todos os dias! Que raios, que merda de livro, que vou fazer com ele?!
Aí me lembrei que poderia devolvê-lo em até 7 dias e joguei ele na poltrona da minha casa.
Acordei atrasado na segunda-feira e fui direto trabalhar e ouvi alguém dizer que domingo tinha um churrasco da turma da loja, passei a semana estudando depois do trabalho, iria prestar vestibular daqui alguns meses.
Domingo um colega da loja chegou na minha casa e disse que estava indo ao churrasco e que iria me levar com ele, não estava muito entusiasmado e pedi para ele esperar enquanto eu me arrumava, que eu queria uma carona até o shopping para trocar um livro, mas que não iria ao churrasco, o cara era chato e insistiu muito e eu fui com ele, deixei o livro no carro dele e pensei passar no shopping na volta.
Eu bebi algumas cervejas e esqueci do livro, acordei atrasado na segunda e fui correndo trabalhar, meu colega me entregou o livro dizendo que eu havia esquecido no carro dele e eu com raiva de não poder devolvê-lo acabei por demonstrar e meu colega disse:
- Calma cara, você já leu esse livro?
- Não e não tenho tempo para lê-lo ando estudando muito...
- Arruma um tempo, não é por um acaso que ele está com você ou você acha que é?
Fiquei o dia todo pensando nisso “não é por um acaso” e lembrei do sorriso e dos olhos de meu pai no sonho.
Cheguei em casa e não peguei em cadernos e apostilas, não iria estudar naquele dia, preparei um miojo e resolvi ler o tal livro que ganhei: “Sonhos concretizados”.
O primeiro capítulo chamava: Meu aniversário
- As vezes sonhamos com coisas que parecem não fazer muito sentido mas que nos causam uma insegurança e foi num dia como esse que resolvi comprar um par de sapatos novos...
Não podia estar lendo aquilo, fechei o livro e procurei me acalmar, lembrei de meu pai, dos meus sapatos novos, dos meus amigos no meu aniversário, do... “não é por um acaso”.
Deixei o livro lá jogado e continuei com minha rotina, ia do trabalho para a casa e estudava muito, dormia pouco, mas sabia que valia a pena...
Depois de algumas semanas resolvi lê-lo novamente e todas as coisas se encaixavam com os acontecimentos recentes de minha vida, e assim fui lendo um pouco (uma ou duas frases) há cada quinze dias, com medo, mas não parei. Entrei na faculdade, escolhi o mesmo curso que meu pai, fazia jornalismo, arrumei um estágio como fotógrafo e o autor do livro também, conheci uma garota maravilhosa e ela parecia tanto com a minha mãe, passamos a morar juntos, o autor do livro também foi morar com a namorada e eu passei a ser um fotografo muito consagrado e de muito prestígio, minha esposa estava grávida e tive de fazer uma viajem a África do Sul, deixei o livro na minha casa, bem guardado para que minha esposa não o visse, ela se assustaria e eu não teria como explicar tamanha coincidência em nossas vidas e após a temporada de seis meses, retornei, eu não ganhava muito dinheiro, mas fazia o que gostava, amava a vida que eu levava, cheguei a pensar que era o homem mais feliz do mundo, até que descobri que estava com uma doença muito grave, um vírus que devo ter adquirido na África e passei uma época muito difícil, minha esposa sempre me auxiliando e meu filho tinha apenas dois anos e meio quando meu corpo não agüentava mais e fiquei enfermo jogado numa cama.
Passava os dias com uma nostalgia gostosa e não conseguia ser triste mesmo adoecendo cada dia mais, eu amava tanto minha esposa e meu filho e vivi experiências maravilhosas em meu trabalho e nas viagens que ele me proporcionou, conheci pessoas incríveis e já tinha vivido como se fosse velho o suficiente e maduro para cair do pé.
Lembrei de meu pai e de como minha mãe o amou mesmo depois de morto e apesar do sofrimento que passou todos os 15 anos longe dele, nunca me contou muito sobre ele e mal sabia eu que estava tão perto de entende-lo, talvez tanto quanto ele mesmo.
Meu filho completou 3 anos na semana passada e eu terminei de ler o livro hoje de manhã, o livro foi escrito pelo assistente de meu pai na viagem que ele fez há África em 1977, esse homem virou um grande admirador de meu pai e escreveu a vida dele nesse livro, minha mãe nunca me contou e eu nunca saberei o por quê. O livro não era de auto-ajuda, era só um relato, em primeira pessoa da vida do meu pai vista pelos olhos de seu assistente, queria ter mais tempo para escrever, mas já não tenho muita força e meus dias estão contados. Espero que esse livro seja encontrado pelo meu filho e ela possa viver a vida de maneira linda e intensa, como vivemos, eu e papai, não poderei ver meu filho crescer, mas realizei todos os meus sonhos e fui muito feliz como espero que todos que leiam esse pequeno e humilde relato sejam e encontre suas histórias nos livros da vida.
3 comentários:
Que merda essa configuração cretina!
Muito criativo. O melhor desde "Ele não fechou em sinal de protesto", parabéns meu amor...
Realmente muito criativo! Adorei!!!
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