16 setembro 2008

Conto que não é conto

Um dia ele me disse “Nem todo dia é dia” e o que seria um dia que não é dia?
Durante muito tempo da minha vida tentei entender os dias que não são dias e conseqüentemente tudo aquilo que deixa de ser o que é, que perde seu objetivo num decorrer de fatos aleatórios e imagens transfiguradas e no anonimato de simplesmente nascer não brilhando, nascer de um acaso ou não nascer.
Um dia não foi dia na minha vida, há alguns anos atrás e às vezes esse dia insiste em aparecer e aí o dia deixa de ser dia...
A cor também deixa de ser cor e o sorriso de ser sorriso... E assim por diante.
Quando eu penso nesses dias que às vezes aparecem, desaparecendo o dia e virando um sei lá o quê... Eu fico sentindo uma falta, uma falta do Sol brilhando, das flores de primavera, do inverno rigoroso, sinto a falta das nuvens cinzentas, das gotas que caem no meu suéter e... Porque nesses dias a última coisa que se lembra é das perguntas rotineiras sobre o clima e das mudanças repentinas devido ao aquecimento global, às vezes se esquece até de que se usa roupa e foi numa dessas ocasiões que me deparei com estações em mim, elas se tornam tão esquecidas que se instalam no nosso organismo pra ver se de alguma forma lembramos que elas estão ali... Que o dia é dia e não deixa de ser porque você proclamou que não seria.
Essas estações surgem em febres e lágrimas, muitas vezes, é tem dia que não é dia mesmo!
Mas hoje é um não-dia que eu quero falar dos dias... Porque na nostalgia há sempre um espaço apropriado nem que hoje não tenha cores, sorrisos e dias... Nem hoje seja apenas um espaço vago no calendário, um vazio mais tenebroso que o feriado chuvoso e depois que a festa acaba...
Quero lembrar das cores: Lembro sempre de Flicts quando as cores me perseguem e lembro que a capa de “Budapeste” é Flicts e logo lembro que Chico nunca foi pra Budapeste e teimava dizer que a cor da cidade era aquela, a Lua é Flicts e Ziraldo nunca foi até lá... Ele sabia que era e só. Assim como eu sei que fico vermelha quando tenho vergonha e às vezes meio Flicts quando estou enjoada.
Então eu quero criar: O dia estava azul, o céu estava limpo mas se via uma ou duas nuvens meio distantes... Branquinhas, branquinhas e eu via um jatinho traçando uma linha, cortando o céu, rasgando-o e deixando uma cicatriz... Eu via e o tempo ia passando e ele ia ficando menor e menor até que ele sumiu e eu girei no gramado gargalhando em despedida, a grama era verde, de várias tonalidades e o que me faz pensar que nesse conto não há sons, mas há cores e todas elas criam formas e imagens diferentes se destorcermos tudo ou se juntarmos um tanto...
Enquanto rodopiava pelo gramado algumas folhinhas se juntavam ao meu vestido listrado de branco e azul-turquesa e lembrei que já estava ficando tarde pro café que fiquei de tomar na casa da vovó...
Na mesa tinham todas as cores, preto, marrom, vermelho, amarelo... por baixo de tudo no xadrez, o roxo com branco e desenhos de diversas coisas de cozinha na velha e rendada toalha da vovó. Comi o bolo de chocolate, o café com bolachas e geléia de morango.
Já não quero mais as cores, já cansei de muitas delas e um sorriso não sai da minha cabeça, não sei nem a imagem que fiz da garotinha e seus balões, mas eu imagino seu sorriso e sua pureza e me faz muito bem e também lembro do sorriso do Super-Herói, esse lembro bem... Lembro de seu rosto e de cada detalhe e na mistura de tantos contos me faz tão presente a beleza daquele sorriso que guardo em mim em cada momento, como é belo e singelo... Como faz bem e as coisas que nos fazem bem são lembradas agora nesse momento que o que mais importa são minhas lembranças que seja num faz de conta ou que seja crua e real como a vida sem o resto...
Tem dia que a vida também não é vida mas a vida não sendo vida eu deixo pra um conto que não é conto, já que o trabalho é mais árduo e os sentimentos mais difíceis de serem interpretados.
Gosto do sorriso das crianças e gosto de Flicts.
Espero que amanhã tenhamos todos um bom dia... Afinal um dia há de recomeçar.

13 setembro 2008

Oi, preciso contar!!

Oi, eu só queria fazer um relato porque eu acho que não vou conseguir viver se eu não contar o que aconteceu comigo ontem e o que eu vi!
Nossa! Só de pensar eu já fico toda emocionada e arrepiada, ai que vergonha!
Então, eu trabalho num estabelecimento, ele é público sabe? É uma galeria, mas a gente costuma dizer que é um shopping e os banheiros de lá são sempre na mesma ordem: homem na esquerda, infantil no meio e mulher na direita, é regra... já estou acostumada... Já nem olho quando vou.
Saí de casa ontem e entrei num shopping, eu estava toda descabelada porque estava um vendaval na rua e uma chuva irritante, sabe? Essas chuvas assim... Que começam e logo param, pois então.
Eu não sei ler direito, consegui um emprego de faxineira lá no shopping porque meu cunhado trabalha com um dos responsáveis por essa parte e ih! Sou esperta que só vendo, não gosto de ficar parada não... E tenho uma orientação muito boa, além de saber falar tudo direitinho e quando não sei eu sempre pergunto, não gosto de fazer feio, ainda pretendo saber escrever e ler, eu acho tão bonito... ah!
Minha vida não foi nada fácil, sabe?
Meu pai me abandou e minha mãe me criou como pode, eu sou a primogênita (acho tão bonita essa palavra...) e tenho mais três irmãos, então eu logo cedo passei a ajudar minha mãe em casa, com uns bicos pra guardar dinheiro... Depois ela ficou adoentada e eu tive que cuidar dela, não tive muito tempo pra pensar em mim e agora tenho minha família e tenho que garantir o estudo e o pão deles, mas acho que já estou fugindo demais do assunto e estou ficando agonizada aqui! Preciso contar o que vi... O que estou sentindo...
Como eu não sei ler e estou acostumada com o banheiro feminino sempre do lado esquerdo, fui andando e entrei... Nisso eu estava tão preocupada com aquele meu cabelo de vassoura, eu devia estar parecendo uma bruxa! Todo pra cima, como diz meu filho caçula: “mamãe fica igual o cara da propaganda de carro que tira coisas de dentro do cabelo...” ele é um menino muito inteligente, sabe? Tem oito anos mas conversa super bem e vai bem na escola, além de me ajudar com coisas fáceis em casa...
Então fui arrumando meu cabelo “guarda-coisas” no espelho e pelo espelho olho pra trás e tem um mictório!
Minha Nossa Senhora! Que Susto! Tinha um homem ali, de pé com... com... ai gente! Com aquele troço pra fora endireitando na calça! E eu fiquei ali toda sem graça, não sei se por ter visto, por estar no toalete errado ou pela minha cara de bruxa com cabelo armado!
O homem todo gentil foi conversar comigo:
- Moça, você está com algum problema?
- Eu? Não... Eu só entrei no banheiro errado por força do hábito, me perdoe moço, juro que não vi nada... (senti meu rosto corar)
- Tudo bem, nada que todos os homens não tenham igual ou parecido, né? (ele sorriu meio sem graça, já que não havia solução)
- É... eu acho, mas então deixe eu me apressar e ir para o outro toalete...
Saí que nem sabia por onde pisar! Aquele homem era lindo!
Era o Homem da Minha Vida... Tenho certeza e olha, cá entre nós... Era bem grande!
Eu não sou muito de reparar nessas coisas quando já estão por dentro da calça, mas como ele ainda estava ajeitando... Eu não pude deixar de notar, ah... estou tão envergonhada e ao mesmo tempo emocionada, desde que meu falecido marido (que Deus o tenha!) se foi que eu não via um...
As coisas estão baixando de nível e eu não posso permitir isso, sou uma mulher, mãe e tenho dois filhos e uma casa pra cuidar!
Mas eu precisava... Vocês me entendem? Eu precisava desabafar, nem que fosse manchar um pouco da minha reputação e um pouco da minha dignidade, não é todo dia que se acontece uma coisa dessas!
Ah... Acho que vocês estão curiosos pra saber quem está escrevendo isso pra mim, então... Minha sobrinha, Catarina... É um amor mesmo, né? Olha a paciência que ela tem comigo... Está aqui comigo pra eu relatar como tudo aconteceu... Não posso tomar mais o tempo dela, ela tem seus afazeres e eu os meus, é apenas uma história pra eu não morrer de aflições, precisava compartilhar da minha experiência, vocês entendem né? Vocês também não contariam pra alguém se fosse com vocês?!
Acho que vou procurar freqüentar aquele lugar, vai que eu vejo aquele moço de novo... mas não dentro do banheiro deles... De preferência.

04 setembro 2008

Ele não fechou em sinal de protesto, talvez.

A pia gotejava, seguia uma seqüência, num intervalo preciso e uniforme, diferente de sua mente que jorrava milhares de pensamentos e idéias frustradas, difusas – confusas, pertinentes...
Deitado na cama com as mãos entrelaçadas sobre o ventre, num olhar fixo e perdido na mancha do teto.
O cansaço o fez dormir.
As gotas provocavam eco, eco esse refletido inconscientemente [irritantemente] em sua cabeça.
O quarto escuro por completo se a luz do banheiro não estivesse acesa, na porta semi-aberta.
Acordou debruçado sobre suas coisas jogadas no canto da cama, havia babado...
O rosto amassado e seu escarro refletido nas gotas incansáveis de uma pia que continha um bilhete, era um papel colorido, fluorescente, colado abaixo do espelho:
“Feche bem a torneira” - Foi o último bilhete deixado antes de partir.
Ela partiu em silêncio.
Seu único pedido era por ele negado, como sinônimo de todo seu orgulho e conflitos internos, buscando lógicas comportamentais, buscando razões, buscando o inverso de uma profunda solidão e desolamento, buscando... Buscando um sentido nisso tudo.
Um sentimento nessa ausência, a amabilidade do acaso. O desconforto de sua roupa o fez levantar, na pequena mesa com um rádio relógio indicando longas horas da madrugada, voltou a perceber o barulho da gota, desprezando a pia.
Voltou ao banheiro, olhou o bilhete com os olhos lacrimejando, como se visse o reflexo de toda sua atenção, todo o zelo que procurava ter... Era um pedaço ( o único) dela que ainda restava.
Levou as mãos até o rosto, deslizou pelos azulejos da parede e aos soluços chorou, encolhendo-se cada vez mais...
Afogando-se, enclausurando-se sobre o intervalo da pia e o vaso sanitário... Era ali sua prisão e sua sentença assinada num pedaço de papel brilhante!
Seus princípios haviam sido cruelmente chocados, não havia um “nós” não havia espaço pra mais ninguém e apenas todo o seu vazio preenchido de uma enorme mágoa e insensatez, cabia a ele sofrer...
Sofrer seus dias, despejando toda a inutilidade e precariedade no seu intervalo. Sua vida era o intervalo da pia e o vaso, seu tempo era um bilhete, suplicando de que as gotas cessem...


(26 de agosto de 2008)